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Fernando Pessoa já falava dos "300"

18.12.11
300.

(...) O difícil, em nossa vida moderna, é não jogar para as mãos dos Trezentos.

De todos os lados, arrastados pela mesma força de decadência que formou o subjudaísmo como organização, inconscientes e espontâneos colaboram com essa organização. Um Spencer, sincero e limpo, que ataca a educação clássica; um Mussolini, pretenso reactor contra a democracia, que repudia o que nela é europeu, que é o individualismo, e aceita o que é degradado, que é o corporativismo; um Maurras, que, coitado, repudiando Hant, repudia o maior opositor do baixo racionalismo - estes, e tantos outros, alheios ao jogo dos Trezentos, ou, até, pretendendo opor-se-lhes, o favorecem e animam.

(...)

Estóicos, epicuristas, platónicos - todos estes eram e são inimigos naturais do subjudaísmo. O estóico, firme no comando de si mesmo, repulsor da invasão dos instintos, aristocrata; o epicurista, harmónico e regrado, aceitando o mundo moderadamente; o platónico, raciocinando e espiritualizando - cada um destes, os três tipos de mentalidade filosófica do paganismo, contrariam o desregramento mental do subjudaísmo dos Trezentos.


300.

Por motivos que ignoramos, e porventura ignoraremos sempre, em fins do século dezasseis e princípios de século dezassete, os Rosa-Cruz sofreram uma revelação. Então se deu - e a revelação mostrou que se dera - uma corrupção em parte dos menores da Fraternidade, se é que nela há menores. Começara a acção dos Trezentos.

Então se formou uma espécie de sombra, negra e informe, da Fraternidade, e a gente que formava essa sombra começou de corromper a doutrina secreta e os usos e restrições dela. Foi então que apareceram Robert Fludd, transmissor corrupto do sistema oculto, Francis Bacon, seu esquerda menor, e outros, de diversas nações, verdadeiramente ou aparentemente, que fundaram as bases da Maçonaria, e tomaram posse dela, desde logo, ocultamente. Ainda a dirigem.

Este acontecimento invisível, esta cisão na sombra, foi dos acontecimentos mais graves que se têm dado a dentro da civilização europeia. Os Rosa-Cruz eram cristãos, como são, e a sua doutrina (o mesmo nome delas a revela e encobre) consiste em (como eles mesmos diriam) uma transmutação do chumbo do hebraísmo, e do ferro do paganismo, no ouro de Cristo. A corrupção do sistema consistiu, como está patente em Fludd, e mais distantemente patente em Bacon, por exemplo na abolição da alquimia transmutadora - na reversão à simples Kabbala, que é um começo de entendimento do mundo, e àqueles princípios orientais em que a Kabbala se funda.

Longe disto tudo, os Mestres da Doutrina Secreta guardam as chaves dos segredos íntimos do mundo. E o que os seus sombras temem é aquilo que na acção dos Mestres eles não podem nunca atingir - o comando da formação dos génios, a acção íntima e intensa que incidiu sobre Shakespeare, sobre Goethe, e incidirá sobre quem se possa alçar, por nascimento e influxo dos astros, à altura onde a Grande Luz o atinja.

Porque os Trezentos temem, acima de tudo, o génio. Esse, sendo de origem superior - representada neste mundo pelo acaso de hereditariedades encontradas, de circunstâncias educativas próprias, de meios sociais suscitadores - está fora da sua acção assombrosa, mas não suprema. Os poderes mágicos dos esquerdos do Oculto, altos como são, não sabem contudo até onde vão os dos Mestres da Doutrina Secreta - ao comando interior das almas grandes, a saber mover os que nascem a que nasçam novamente. Delegados, e anjos, de certo modo, de particular do nosso mundo especial, eles combatem, com forças superiores, os exilados dos entre-mundos, os filhos do espaço nocturno, senhores da rebelião, não contra Deus, mas contra a forma que Deus toma ao ser criador do nosso mundo.

(...)


300.

Assim vemos que a acção dos Trezentos se exerce sempre no sentido de contrariar, de tentar destruir, (a) a cultura grega, (b) a ordem romana, e (c) a moral cristã. Ora acontece, precisamente, que estes três elementos são os elementos fundamentais da civilização europeia. A acção dos Trezentos visa, pois, a aluir os fundamentos da civilização europeia.

(...)

A Maçonaria é um esquema simbólico, através de cuja linguagem, uma vez gradualmente compreendida, certos conhecimentos, uma vez obtendo, que fariam pasmar os maçons vulgares, ainda os de alto grau ou categoria. Ora os dirigentes superiores da Maçonaria forçosamente são aqueles que entendem e usam o que está contido nesses símbolos. (...)

Trata-se de uma guerra religiosa - de uma tentativa de aniquilamento da religião cristã. (...)


300.

O que eles são, e o que eles querem, não o podemos saber. Somente sabemos que a sua acção, manifestando-se naturalmente através do judaísmo, não é contudo judia na sua última intenção. Os mesmos judeus são armas em mãos supremas.


Não é do judaísmo, em conjunto, que os 300 se servem: servem-se tão-somente do baixo judaísmo, do mesmo modo como se servem da decadência europeia; e, se servem mais fortemente do baixo judaísmo que dos degenerados de Europa, é que o judaísmo é uma organização universal, e a decadência de Europa é um conjunto amorfo (de indivíduos). Assim como o judaísmo se infiltrou na Maçonaria, para poder, por ela, operar na sombra, assim os 300 se servem do judaísmo, para poder, por ele, e por o que ele move, operar na treva.


Três são, em resumo largo, as forças que os 300 jogam contra a Europa: o materialismo irracionalista, o misticismo racionalista, e o humanitarismo universalista. (...)


300.

(...) O fascismo não apresenta aos Trezentos uma preocupação senão superficial. O fascismo não tem raízes espirituais. Cai com facilidade, deixando de si, apenas, um fermento revolucionário e de desordem que antes aproveita, do que desconvém, aos Trezentos. (...)

O fascismo, além disso, é a tal ponto semelhante, por um lado, ao bolchevismo, e, por outro lado, ao espírito sindicalista (corporativo lhe chamam os fascistas) que tende para desorganizar e deshelenizar Europa, que se ajusta, nesse sentido, muito mais às próprias ideias exteriores dos Trezentos do que à substância da civilização europeia.

O fascismo é uma reacção excessiva e falsa - faite à souhait para os Trezentos. Como todas as reacções falsas, tem os característicos íntimos daquilo contra que reage.


300.

Uns minam o nacionalismo pelo internacionalismo, outros o minam pelo regionalismo. (...)


300.

Walther Rathenau, que foi um dos elementos visivelmente dirigentes de Europa, e portanto do mundo, disse um dia estas palavras: «Europa é governada por trezentos homens... etc.»

(...) o mesmo Rathenau se não pode supor alheio aos Trezentos, a quem - presumem alguns - talvez pertencesse, (...) E muitos se terão lembrado do verso de Nostradamus:

Trois cens seront dun vouloir et accord...

Desde o ano de 1717, a civilização de Europa, e que quer dizer a civilização inteira, caiu sob o domínio de uma acção secreta especial. Nesse ano se formou.

(...)


300.

Os executores, conscientes ou inconscientes, das ordens dos Trezentos, citarão, por exemplo, com agrado e aplauso todo o poeta que promova um conceito materialista e sensual da vida. Assim os vemos criticar e valorizar. Mas em breve descobrimos que esses elogios têm certos limites. Nunca os vemos citar um Horacio ou um La Fontaine. Nunca lhes descobrimos preferência por um Flaubert, ou, pelo menos, pelo Flaubert de «Madame Bovary». É que o racionalismo verdadeiro é-lhes anátema. Na perfeita construção artística e lógica eles vêm logo o inimigo. O ódio, que votam a Cristo, não é mais forte neles que a aversão, que dedicam a Atena.

(...)


Quem são estes Trezentos? Que querem? Quem os dirige?
De nada serve responder, porque quem não entender este livro sem esta parte, não o entenderá melhor com ela.

Todo este mundo quotidiano e visível, toda esta gente que bóia à superfície da vida, todas estas coisas que constituem os nomes e os feitos da História não são mais que erro e ilusão. Somos todos, não agentes, senão agidos-títeres de maiores que nós. Todo o nosso orgulho de conscientes e a nossa soberba de racionais são o títere que se orgulha de seus gestos. Na verdade o combate é aqui, mas não é nosso; não é connosco, somos nós. Não somos actores de um drama: somos o próprio drama - a antestreia, os gestos, os cenários. Nada se passa connosco: nós é que somos o que se passa.

 

 

(Documentos 53B-57 a 53B-92 do espólio de Fernando Pessoa.)

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